De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e pela PUC-SP, a recusa dos planos de saúde em tratar pessoas com autismo é o principal motivo de processos judiciais relacionados à negativa de cobertura assistencial pelos planos médicos em São Paulo. A pesquisa analisou 40.061 ações judiciais com negativas por parte das operadoras de saúde, em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo entre janeiro de 2019 e agosto de 2023.
O ranking das questões mais citadas em ações por negativa de cobertura identificadas na pesquisa é o seguinte:
1º Transtornos Globais do Desenvolvimento (Autismo) – 18,01%
2º Transtornos Devido ao Uso de Drogas – 6,64%
3º Obesidade – 4,47%
4º Câncer de mama – 3,36%
5º Transtornos por uso de álcool – 3,33%
6º Outros Distúrbios Metabólicos – 2,89%
7º Esclerose Múltipla – 1,92%
8º Câncer de Próstata – 1,7%
9º Câncer dos Brônquios e dos Pulmões – 1,47%
Esta pesquisa acende um alerta, visto que com o passar dos anos, os planos de saúde têm elevado o valor de suas mensalidades, ao mesmo tempo em que verifica-se uma precarização dos serviços de saúde prestados. Isto se dá quando o beneficiário tem que esperar muito tempo para conseguir autorização para realizar um tratamento ou procedimento, ou quando a operadora nega injustificadamente um tratamento ao qual o beneficiário tem direito, entre outros dissabores enfrentados pelos consumidores.
Todas estas questões se tornaram corriqueiras e provavelmente, muitas pessoas já foram submetidas a tais situações, o que gera frustração e medo de ficar sem atendimento médico.
Vale lembrar que em 02/02/2024, publicamos um artigo em nossas redes sociais [ANS registra 54 mil reclamações em 2023 – Somente 3,5% tratam de reajustes], que menciona a publicação do Balanço do Setor de Saúde Suplementar de 2023 pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em que são identificados aproximadamente 51 milhões de usuários de planos de saúde privados no país, sendo que no ano de 2023, a ANS contabilizou aproximadamente 54.392 reclamações (âmbito nacional) registradas em seu portal.
Portanto, temos 40 mil ações judiciais questionando negativas de operadoras somente no Estado de São Paulo e 54 mil reclamações administrativas junto à ANS em âmbito nacional. Parece pouco, mas pode não ser só isso.
Vamos fazer um exercício simples. Pela nossa experiência, não são todas as pessoas que costumam levar adiante um litígio ligado a problemas de fornecimento de assistência médica. Assim, se pensarmos que de cada 10 pessoas, 2 ou 3 busquem seu direito, ainda teremos 7 pessoas que tiveram o tratamento negado e buscaram outras alternativas, fazendo com que os planos de saúde não arcassem com seus tratamentos médicos. Viu só? O cenário é muito mais complexo do que parece.
Voltando à pesquisa do Idec e PUC-SP, mais precisamente tratando da causa nº 1 de negativas por operadoras, é importante relembrar que o autismo é uma condição que requer cuidados constantes e tratamentos especializados, como terapias com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas.
No entanto, conforme informações levantadas pela pesquisa, as operadoras de saúde, em sua maioria, foram concebidas para vender “cura”, o que não é possível no caso do autismo. Essa falta de compreensão do modelo de negócio dos planos de saúde tem gerado um impasse setorial, prejudicando milhares de crianças autistas que possuem plano médico.
Na pesquisa, uma das operadoras ouvidas apresentou estimativa de que existam cerca de 236 mil crianças autistas com plano médico no Brasil, o que movimenta aproximadamente R$ 1 bilhão mensalmente. No entanto, as operadoras de saúde têm se recusado a arcar com os custos dos tratamentos destes usuários, o que leva muitos pais e mães a buscar a Justiça para garantir o direito de seus filhos à saúde.
É importante ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como uma condição que requer cuidados constantes, e não uma doença a ser curada. O TEA engloba diversos diagnósticos antes classificados como Transtorno Global de Desenvolvimento, como o autismo infantil, a Síndrome de Asperger, o Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno com Hipercinesia associado a retardo mental.
Já a legislação brasileira prevê que as operadoras de saúde são obrigadas a fornecer cobertura para o tratamento de autistas, conforme determina a Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Além disso, o Código de Defesa do Consumidor também protege os direitos dos usuários de planos de saúde, garantindo a cobertura de tratamentos necessários.
Diante deste cenário, é muito importante que os pais e mães de autistas estejam cientes de seus direitos e busquem a Justiça caso tenham seus pedidos de cobertura negados pelas operadoras de saúde.
A recusa em tratar autistas é uma violação dos direitos fundamentais à saúde e à dignidade dessas crianças, e é dever do Estado e da sociedade garantir o acesso a tratamentos adequados.
Neste sentido, é importante ressaltar que a pesquisa realizada pelo Idec e pela PUC-SP é uma ferramenta essencial para embasar as ações judiciais e demonstrar a necessidade de uma mudança no modelo de negócio das operadoras de saúde. Através destes dados, é possível evidenciar a magnitude do problema e a urgência de uma solução.
É certo que asssunto vai continuar sem solução por hora e é importante continuarmos na luta em prol dos direitos e garantias fundamentais de todas as pessoas.
Antes de encerrar, gostaria de parabenizar todos os envolvidos na pesquisa (Idec e PUC-SP), pela iniciativa pioneira e de grande relevância para o cenário da saúde suplementar no Brasil. A pesquisa revela dados os quais necessitam ser discutidos na sociedade civil e demais instituições, de modo que seja possível que se chegue a um consenso quanto a uma solução para essa e outras demandas de pacientes e beneficiários de saúde.
Fonte: Notícias Uol, Idec e PUC-SP